segunda-feira, janeiro 09, 2006

o homem que não sabia chorar (2)

Talvez da janela questionasse, ainda sem ter percebido, se ao fundo os olhos conseguiam alguma resposta. Há anos que não olhava para trás, tinha medo de olhar para trás e sempre que o fazia duas árvores tombavam violentamente na terra e diziam-lhe que não. Duas a duas caíam, duas a duas varriam o caminho e matavam as sombras. Tudo até que o horizonte fosse em linha recta e a água pudesse subir amolecendo os pés da casa. À espera e sem olhar para trás - ainda hoje tem medo de olhar para trás - levava os joelhos ao queixo e as mãos aos tornozelos, talvez sentado na janela. A água lentamente cercava e derretia os pés da casa. Vindas de trás, duas a duas como jangadas afiadas, via as árvores derrubadas ultrapassarem-no pela esquerda e pela direita, duas a duas flutuando em direcção ao futuro.
Não olhava para trás - ainda hoje tem medo de olhar para trás. Em baixo, sentia os pés moles da casa. Na frente, duas a duas como velas em bolina, as árvores flutuavam pela esquerda e pela direita, as copas primeiro e depois as raízes a roçarem a casa. Talvez sentado na janela levasse os joelhos ao queixo e as mãos aos tornozelos. Tudo, assim, até que nascesse o silêncio.

5 comentários:

Lua em Libra disse...

Quando olhamos para trás corremos o risco de virarmos estátuas de sal, não era assim que ensinava a bíblia?

Ah, mas a lágrima - sal em estado líquido - derrete o sal da estátua e nos devolve à condição e humanos. Demasiadamente humanos.

Parabéns pelo novo espaço, Vitor.

Abraço,

CeciLia

Caiê disse...

Tenho uma estranha afinidade com este texto.
O vosso novo blogue é muito interessante.
Abraço
e minhauuu ;)

Vítor Leal Barros disse...

obrigado caiê... bem vinda

Vítor Leal Barros disse...

cecília... como disse a Lu "nuestra casa es tu casa"

Lua em Libra disse...

Silêncio parido de água nos pés (quente?) e dois troncos submersos. Amolecemos, das goteiras do dentro, quando a inundação não leva os joelhos para a frente.

Abraço, meu querido